Para quem está começando agora a se aventurar pela culinária sem glúten os desafios são enormes. Tentar substituir a farinha de trigo, que já é por si só capaz de dar crocância, elasticidade, maciez, volume, estabilidade e sabor, por um apanhado de outras farinhas sem glúten, buscando ter as mesmas características é demasiado difícil. Isso por que temos que unir várias farinhas que juntas tragam um pouco das características do glúten, para a receita. E a confusão já começa quando nos deparamos com uma quantidade muito maior de farinhas que podem ser usadas e o universo de possibilidades é tão grande que acabamos por errar muitas vezes.
Quanto comecei a pegar firme na confecção de pães e testar misturas de farinhas, acho que fiquei pelo menos 6 meses tentando desenvolver o primeiro pão decente e naquela época, não consegui encontrar muitos guias, ou literatura que fossem capazes de resolver as minhas dúvidas. Durante uns 15 dias eu fiz todos os pães que se pode imaginar, como se minha cozinha tivesse virado um laboratório e fui desenvolvendo meu primeiro pão de maneira profissional. Já havia feito um pão para um seminário sobre doença celíaca na faculdade de nutrição, mas o resultado não foi bom e de 2006 para 2010, já tinha uma bagagem acumulada que me fez enxergar as farinhas de outra forma. Foi nessa época e com poucas farinhas no mercado para me ajudar a chegar na melhor composição que a partir de artigos científicos e muita pesquisa nas associações de celíacos que cheguei na seguinte composição:
50% da farinha usada deve ser de arroz
25% deve ser de polvilho doce
E os outros 25% de fécula de batata
Como usar essa mistura?
Digamos que você precise usar em uma receita 2 xícaras de chá de farinha. Para que a composição de farinhas da sua receita respeite as porcentagens você precisaria de 1 xícara de chá de farinha de arroz, 1/2 xícara de chá de polvilho doce e 1/2 xícara de chá de fécula de batata.
Desses itens podemos variar a composição aumentando ou diminuindo a fécula de batata ou trocando por outra farinha de baixa ou média densidades que vou relacionar mais pra frente. Mas por que isso realmente é possível? Bem, o que aprendi nas minhas pesquisas e também constatei no preparo das receitas é que a farinha de arroz é responsável por dar volume e estabilidade à receita. Fazendo com que o pão ou o bolo realmente tenham corpo. Já o polvilho tem o papel principal de elasticidade, sua capacidade de formar goma quando aquecido e em contato com água faz com que pães e bolos fiquem mais macios e elásticos. Mas, quando falamos de fécula de batata sua função ainda é pouco esclarecida. Algumas pessoas acreditam que ela traga umidade para a receita, mas, na minha opinião a função da fécula é dar crocância e por esse motivo, conseguimos substituir por outras farinhas com mais facilidade. Como é o caso da sua substituição por farinhas mais densas. Você observou que dessas farinhas que relacionei, todas são amidos e que dessa forma possuem uma quantidade relativamente pequena de proteína? Então, sendo o glúten uma proteína, por que mesmo com baixa quantidade desse macronutriente conseguimos bons resultados com essa mistura de farinhas? Mistério! kkkk Na verdade, essa mistura irá funcionar pela congruência de características e não por ser semelhante ao trigo em termos de quantidade de proteína.
Falando em substituição, não espere substituir o polvilho ou a farinha de arroz em uma receita e obter um resultado satisfatório ou igual a receita original. Eles realmente tem funções específicas na receita e quando trocados podemos ter perda de qualidade na estrutura, na durabilidade, na elasticidade. Eu diria, que até possível trocar a farinha de arroz por outras farinhas, principalmente se for uma oleaginosa como amêndoa, castanha de caju e até farinha de coco. Mas o lance é que o resultado final da receita não depende só das farinhas, precisamos também de outros componentes da receita como farinhas formadoras de gel como a linhaça, a chia, o psyllium. A quantidade de água ou líquido usado deve ser adequada para que o pão ou o bolo tenham um bom resultado. Até mesmo a quantidade de ovos e o tipo de gordura usada varia de uma receita para outra e isso também pode atrapalhar a qualidade quando mudamos a composição das farinhas. Não estou dizendo que não é possível substitui-los, mas para isso é preciso conhecimento, teste...
Esse ponto que abordei no parágrafo anterior, me lembra de outros fatores que acabamos errando quando pegamos uma receita na internet, ou de um vídeo, ou mesmo fazemos um curso ou vemos a receita em um livro. Quando você se deparar com uma receita que quer muito testar em casa, tenha em mente que ela foi criada com aquelas características e que se você mudar alguma coisa, o resultado não será o mesmo. E mais, quando a receita é descrita em xícaras o autor está se referindo à xícaras e colheres medidoras. Nas aulas que ministro, é muito comum os alunos se espantarem quando falamos em usar xícaras com nomenclatura certinha (240ml para xícaras de chá e 15ml para colheres de sopa) para que a receita dê certo. Alguns autores falam inclusive qual a forma correta de medir. Algumas pessoas costumam pegar a farinha de dentro do frasco com o utensílio medidor e isso é um erro. Mas podemos falar disso em outro post, depois. A lição aqui é seguir a receita a risca com as farinhas certinhas.
Voltemos então a falar sobre como podemos substituir a fécula de batata. Sabendo que a fécula é uma amido, podemos ter em mente que ele é de fácil diluição em água ou outro meio líquido, correto? Portanto, ao trocar por farinhas de média ou alta densidade estamos falando de ingredientes que tem mais dificuldade em se misturar com a água. Logo, ao fazer a receita substituindo a fécula, aumente a quantidade de água aos poucos de modo que a textura da massa seja semelhante àquela feita com a composição de farinha recomendada. Agora, quais sãs as farinhas de média e alta densidade?
Média densidade
Grão de bico
Painço
Aveia
Quinoa
Sorgo
Milho
Alta densidade
Amêndoa ou outra oleaginosa
Amaranto
Trigo Sarraceno
Farinha de coco
Teff
A diferença básica entre as de média e alta densidade é a quantidade de proteína e de fibra presentes. A substituição da fécula de batata pode ser feita total ou parcialmente. Nesse caso, se você estiver usando aquela proporção de porcentagens de farinhas, poderá usar 1/4 de xícara de chá de qualquer farinha de média ou alta densidade. Ou seja, metade daqueles 25% de fécula serão agora de farinha de sorgo ou de teff, ou qualquer outra que você queira incluir.
Existe outras proporções e outros fatores que podem acrescentar muito valor aos pães e bolos que você fizer, tornando a receita ainda melhor e o resultado incrível, mas para chegar nesse nível de delícia nas preparações que você quer é preciso dedicação. Imagine a sua cozinha como um laboratório como eu fiz e desenvolva o seu próprio método. A internet está repleta de conteúdos de boa qualidade esperando por você. Não se acanhe e aprenda. Tenho certeza que você vai arrasar.
Para outras orientações nutricionais e elaboração de um plano alimentar individualizado de acordo com as suas necessidades, marque a sua consulta: 61 9 98220051 ou contato@nutrichefbrasilia.com.br
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